Uma breve introdução aos acentos da ortografia do Português

Para quem está aprendendo o idioma, os símbolos em cima de vogais e aquela “perninha” estranha embaixo da letra c não fazem muito sentido. Por que eles existem?
da ortografia do português

Um  dia, dois amigos mexicanos me perguntaram: o que é aquele C com um negócio estranho embaixo? Para que aquilo serve no português? A minha resposta, certamente, deixaria a minha professora de português do ensino secundário insatisfeita. Fugi da complexidade da ortografia portuguesa e disse apenas que a cedilha, no português, tinha som de um S surdo. E que no espanhol, em geral, poderia se aproximar do som do Z.

A moral da história é que para muitos gringos os acentos que utilizamos são estranhos e poucos sabem o porquê da sua existência. Por isso, a Babbel entrevistou Paulo Chagas de Souza, professor do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo e especialista em fonologia, morfologia, sistemas de escrita e linguística histórica, para explicar o tema.

Abaixo, falamos um pouco sobre a origem da cedilha e dos acentos no português. Divirta-se!  

Como surgiu a cedilha (ç) no Português? 

A cedilha surgiu na grafia visigótica, na Peninsula Ibérica, para representar um som necessário no espanhol. Era uma forma diferente da letra Z, ou um Z pequeno combinado com a letra C. A cedilha era escrita com um C seguido de um Z pequeno. Depois, começou-se a colocar esse Z em baixo do C. O nome cedilha é um diminutivo de ceda, um dos nomes da letra z em espanhol (proveniente do nome da letra zeta do grego).

A c cedilha era usada para representar sons que o Latim não tinha. No português antigo, arcaico e medieval, os sons grafados S e Ç tinham pronúncia distinta. Na região da Beira, em Portugal, a distinção se mantém. Mas nas demais regiões, os dois sons passaram a ter a mesma pronúncia. A grafia se manteve, apesar de a distinção de pronúncia ter se perdido em quase todas as regiões no português moderno.

Por que ainda temos a ç e o ss?

É pela origem das palavras que, em geral, vêm do Latim. Se pegarmos palavras latinas como nationeteremos nação em português. Caso a origem da palavra tenha partido de uma letra T, ficamos com grafia de ç. Se a origem é de apenas uma letra S (por exemplo, casa), a escrita é a mesma mas o S de casa tem som da letra Z. Quando eram SS (missa), manteve-se a pronúncia de S.

Essa explicação faz parte de algo mais amplo. No latim, as letras p, t, k, s são consoantes surdas. Entre vogais, elas passaram a ser sonoras no português. Então, o que era P no Latim virou B no português. O que era T passou a ser D, o que era Q/K virou G, S virou Z

Por exemplo: 

Lupu>lobo

latu>lado

lacu>lago

casa > “caza” (representação da pronúncia)

Como o latim já tinha as letras b, d g, ficou mais simples. A gente usou essas letras latinas para representar sons. Mas o som de Z o latim não tinha. 

Por que o português perdeu as consoantes dobradas (ou geminadas, gêmeas)? 

Quando tínhamos duas dessas consoantes na sequência, o que chamamos de consoantes geminadas, por exemplo, bucca virou boca. Quando eram duas consoantes geminadas, passamos a usar apenas uma consoante, mantendo a consoante surda. Quando era apenas uma consoante, ela se sonorizou. Veja o exemplo de casa, no qual o S passa a ter um som de Z. 

Quando tínhamos o SS, mantivemos a pronuncia do S. Em missa, não temos mais duas consoantes mas apenas uma surda. O Latim não tinha o Z, que vem do grego. Logo, acabamos usando o SS para o som surdo e o S sozinho para sonorizar a consoante.

Como isso aconteceu entre vogais, o começo das palavras ficou mantido como surdo. Por exemplo, não há necessidade de se escrever SSanto. Santo é o suficiente. Embora o português arcaico utilizasse ss no inicio de palavras. Quando ele aparece no meio palavra, ficou com som surdo. 

Por que temos acentos grave, agudo, circunflexo e til?

A maioria das línguas na Europa adotaram um alfabeto baseado no alfabeto do Latim, mas o Latim tinha apenas cinco vogais. Se uma língua tem mais do que cinco vogais, o que ela vai fazer? Tem que ter algum tipo de recurso para representar todas as distinções da pronúncia. Há dois tipos de estratégia: acrescentar algum diacrítico, um sinal, ou usar duas vogais.

No francês, temos =[u] para representar o som de . Usamos um dígrafo porque o U representa o som de [y]. Logo, uma estratégia é usar duas vogais para conseguir representar aquele som. No português, ficou a ideia de colocar sinais nas vogais (diacríticos) que diferenciam sons.

As vogais [i] e [u] são vogais fechadas, têm o grau máximo de fechamento da boca para uma vogal. A vogal [a] é bem aberta. Por isso, o médico pede para dizermos [a] quando quer examinar nossa garganta. Assim a boca fica bem aberta. As vogais grafadas com as letras e não são nem muito abertas nem muito fechadas. Mas cada uma dessas letras correspondem a duas vogais na pronúncia. A vogal pode ter uma pronúncia média aberta, como em pé, escrito com acento agudo, ou média fechada como em vê, do verbo ver. A mesma coisa ocorre com a vogal escrita . Ela pode ter uma pronúncia média aberta, como em pó, escrito com acento agudo, ou média fechada como em metrô. O acento agudo (´) indica, então, uma vogal média aberta, e o acento circunflexo (^) indica uma vogal média fechada. Mas nem sempre essa distinção é indicada na escrita: sede/sede, jogo/jogo.

É e ó representam a vogal média aberta.

Ê e ô representam a vogal média fechada. 

O espanhol não precisa de acentos ou dígrafos porque só tem as mesmas vogais do Latim. O francês usa as duas coisas. Esses acentos todos vieram do grego.

O acento grave usamos agora só para a crase, mas ele era usado até o começo dos anos 1970. Uma das formas de usá-lo era quando uma palavra tinha uma sílaba com acento secundário, ou uma sílaba que tinha acento agudo e a palavra recebia um sufixo. Por exemplo: só, sòzinho, sòmente. 

O só era falado e escrito em sozinho como acento tônico, mas o acento principal aqui acaba ficando em zin. Então, a gente representava com esse acento grave.

No italiano, por outro lado, quando marcamos a sílaba tônica, usa-se o acento grave. Por exemplo, em paltò (paletó).

Um mistério da ortografia do português. E de onde vem o til?

O til é, na verdade, uma forma abreviada do N. No espanhol, por exemplo annu- (do latim, sem a terminação) foi grafado anno em espanhol e depois passou a ser grafado año. Depois, começou-se a usar esse N pequeno em cima de outro N. Assim surgiu o valor do N no espanhol. No Brasil, o til é usado para representar as vogais nasais. Tem a ver com a origem do N, que é uma consoante nasal. Em português, o til pode usado no ã e õ.

O português até tem outras vogais nasais, mas elas são representadas com um M (sim, um) ou N. E, às vezes, nem há nada que as represente. O U nasal na palavra muito é um exemplo. As crianças em fase de alfabetização tendem a escrever muito dessa maneira: muiNto.

Os outros acentos aparecem, em geral, na sílaba tônica. Mas o til não necessariamente indica a sílaba tônica. Há palavras como sótão e órfão, nas quais o acento agudo marca a sílaba tônica e o til marca apenas a nasalidade do ditongo. 

Por que ainda usamos a crase?

A crase é a combinação da preposição a + outro a, que é o artigo. Em Portugal, há mais diferença na pronúncia com esse A átono do artigo não tão aberto.

Dei um presente a minha mãe. 

Dei um presente à minha mãe. 

Aqui no Brasil, vamos ler esses dois exemplos do mesmo jeito. Não existe diferença na pronúncia. Na pronúncia de Portugal, o A não é tão aberto (o primeiro), então podemos usar apenas um A. 

Um truque escolar para saber quando usar a crase é colocar a frase no masculino. Se podemos dizer: dei um presente ao meu pai e dei um presente a meu pai, pode-se usar a crase ou omiti-la. Se dissermos: dei um presente ao professor, não podemos falar dei um presente a professor, pois o a é um artigo feminino. Logo, no feminino, essa frase seria dei um presente à professora. Ou seja, se no masculino for obrigatório usar ao, tem que haver crase. Se for possível usar ao ou a com o masculino, a crase é opcional. Apenas podemos ter crase se houver um substantivo feminino singular depois.

No plural, também temos a crase se houver um substantivo feminino plural depois do artigo A. 

Dei um presente a vários amigos. 

Dei um presente a várias amigas.  

Dei um presente às professoras.


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Gabriel B.

Gabriel Bonis é jornalista, especialista em Direito Internacional para Refugiados e mestre em Relações Internacionais pela Queen Mary University of London. Ele passa a maior parte do seu tempo escrevendo sobre direitos humanos, ajudando refugiados a lidar com seus processos de asilo e estudando alguma língua nova.

Gabriel Bonis é jornalista, especialista em Direito Internacional para Refugiados e mestre em Relações Internacionais pela Queen Mary University of London. Ele passa a maior parte do seu tempo escrevendo sobre direitos humanos, ajudando refugiados a lidar com seus processos de asilo e estudando alguma língua nova.